A Revolução de Francisco

Alcides Leite*

O ano de 2013 vai ficar marcado na história da Igreja. A renúncia de um papa e a eleição do primeiro pontífice latino-americano já bastariam para isso. No entanto, a maior surpresa veio das palavras e ações promovidas por Jorge Mario Bergoglio, o papa Francisco.

De forma simples e direta, abdicando das mordomias, Francisco trouxe novos ares à Igreja. Ele foi escolhido como personalidade do ano pela revista Times, e ainda mais surpreendente, foi escolhido personalidade do ano pela The Advocate, revista especializada na defesa dos direitos dos homossexuais.

De suas inúmeras declarações marcantes podemos selecionar algumas, que por si já justificam o título deste artigo.

– Se uma pessoa que é gay procura a Deus e têm boa vontade, quem sou eu para julgá-la.

– Não vou ficar falando o tempo todo de aborto, casamento gay e uso de contraceptivos, pois a Doutrina da Igreja já é clara a este respeito, e eu sou filho da Igreja. Repetir estes temas seria como perguntar a alguém que sofreu um grave acidente e precisa de ajuda, se ele tem colesterol alto.

– Eu não poderia viver sozinho no Palácio. Preciso de gente, encontrar pessoas, falar com as pessoas…

– Quando a sociedade abandona na periferia uma parte de si mes­ma, não há programas políticos, nem forças da ordem ou serviços secretos que possam garantir indefinidamente a tranqüilidade.

– Não nos preocupemos só com não cair em erros doutrinais, mas também em sermos fiéis a este caminho luminoso de vida e sabedoria. Por­que é freqüente dirigir aos defensores da “orto­doxia” a acusação de passividade, de indulgência ou de cumplicidade culpáveis frente a situações intoleráveis de injustiça e de regimes políticos que mantêm estas situações.

– Quem dera que se ouvisse o grito de Deus, perguntando a todos nós: «Onde está o teu ir­mão?» (Gn 4, 9). Onde está o teu irmão escravo? Onde está o irmão que estás matando cada dia na pequena fábrica clandestina, na rede da pros­tituição, nas crianças usadas para a mendicância, naquele que tem de trabalhar às escondidas por­que não foi regularizado? Não nos façamos de distraídos! Há muita cumplicidade (…) muitos têm as mãos cheias de sangue devido a uma cômoda e muda cumplicidade.

– Para a Igreja, a opção pelos pobres é mais uma categoria teológica que cultural, sociológi­ca, política ou filosófica. Eu desejo uma Igre­ja pobre para os pobres.

– As doenças enfrentadas por diversas instituições eclesiais, ao longo da história, têm raízes na autoreferencialidade, numa espécie de narcisismo teológico.

– Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído às ruas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguran­ças.

Mas não são somente palavras e atos simbólicos que justificam a Revolução de Francisco. O papa também tomou decisões profundas e corajosas, que geraram ódio e maledicência nos setores reacionários da Igreja. O papa confirmou Gerhard Muller, íntimo do pai da Teologia da Libertação, Gustavo Gutierrez, como Prefeito da Sagrada Congregação para Doutrina da Fé. Depois, o promoveu a Cardeal. Marcante neste episódio foi a reação virulenta do cardeal Juan Luis Cipriani, arcebispo de Lima, inimigo declarado de Muller e Gutierrez. O papa recebeu com carinho o cardeal Cipriani no Vaticano, mas poucos dias depois, tomou as decisões no sentido oposto ao desejado pelo cardeal tradicionalista.

Outras medidas foram importantes para isolar o pequeno grupo reacionário que ainda detém algum poder na Igreja. Francisco escolheu um conselho de oito cardeais, de todos os continentes, para ajudá-lo na reforma da cúria do Vaticano. Várias sugestões, dadas pelo chamado G8, já começaram a ser implantadas.

No aspecto teológico, o papa Francisco também promoveu mudanças. Nas reuniões anteriores à sua eleição, Jorge Bergoglio fez um resumo sobre a direção que a Igreja deveria tomar para reencontrar o seu vigor apostólico. Segundo ele, para evangelizar, a Igreja deve sair de si mesma e ir às periferias geográficas e existenciais. No fundo, o papa propõe um retorno ao cristianismo primitivo, baseado no ensinamento capital: Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. A doutrina moral, portanto, não pode ser separada do amor de Deus e do próximo. A principal função da Igreja deve ser evangelizar, levar Cristo aos que sofrem e estão longe Dele. A Igreja, como dizia Paulo VI, deve voltar a ser a mãe fecunda que vive a doce e confortadora alegria de evangelizar.

Que Deus dê longa vida a Francisco para realizar novas mudanças e tornar irreversível o retorno à Igreja primitiva dos tempos de Jesus Cristo, a autêntica Igreja Cristã.

*Alcides Leite é economista e professor da Trevisan Escola de Negócios

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