Um 2014 com pitadas de tédio para você

O tédio pode ser um grande aliado neste ano que se inicia. Vejamos as razões

Luciana Campos

“Sabe esses dias em que horas dizem nada?

(…)um dia a monotonia tomou conta de mim: é o tédio

cortando meus programas, esperando meu fim…” (Biquini Cavadão)

Como assim alguém ousa desejar o tédio a alguém em um ano que se descortina? Culturalmente, um novo ano traz consigo a promessa de novas possibilidades e conquistas, haja vista os muitos rituais de réveillon[1]: pular ondinhas, lançar flores ao mar e escrever ou pronunciar promessas a si ou a outros sobre as novas metas que serão alcançadas na etapa que se inicia.

Ano Novo rima com vigor e não com tédio. No entanto peço que me permita evidenciar as razões deste inusitado desejo.

Há alguns meses congratulei um conhecido que havia concluído um investimento intelectual pessoal que durou quatro anos. Uns dois meses após este feito, o indaguei acerca de como se sentia. Imaginava que fosse afirmar-se aliviado, leve, realizado ou algo do gênero. Para minha grande surpresa, ele me disse que sentia um vazio tedioso. A grandiosidade do que perseguia, o havia exaurido, mas ao mesmo tempo, o alimentava para findar a empreitada.

Perceba, há uma sutil diferença entre tédio e apatia. O primeiro refere-se à falta de vontade para fazer algo. Já o tédio é o contrário: a vontade frustrada de buscar satisfação através de uma ação. Neste sentido, o tédio pode encorajar a criatividade. A insatisfação com sua situação atual, pode lhe obrigar a trilhar novos caminhos.

Horta (2013) demonstra como o cérebro das pessoas criativas funciona de modo diferenciado. Os criativos, são entediados crônicos, vejamos:

“Segundo um estudo da universidade de Vanderbilt, nos EUA, pessoas mais propensas à busca de novidades têm menos receptores de dopamina – o neurotransmissor que alimenta o sistema de recompensa do cérebro. Esse sistema serve para dar um reforço positivo a estímulos que causem prazer, tais como comida, sexo e relaxamento. Quando encontramos esse estímulo, um neurotransmissor chamado dopamina é logo recaptada. Quando os níveis ficam baixos, surge o tédio. A cabeça começa a pesar mais até precisar apoiar o queixo na palma da mão. As sobrancelhas se arqueiam, o olhar se volta para o alto. Até que, finalmente, o entediado vai procurar algumas recompensas – ou seja, fontes de estímulo para elevar seus níveis de dopamina.”(p.45)

O tédio pode conduzir o sujeito a cansar-se com facilidade daquilo que lhe trouxe grande satisfação em tempo recente. Como não lembrar da mente inquieta do poeta Vinícius de Moraes, que em sua escassez de dopamina, casou-se 8 vezes? Em um documentário sobre sua vida, Maria Betânia conta que o encontrou certa ocasião na fossa, em uma mesa de bar, em virtude de uma desilusão amorosa. Naquele momento ela estava com uma amiga, a qual apresentou ao desconsolado poeta.  Instantaneamente a desilusão transformou-se em uma paixão e o novo casamento foi realizado em algumas semanas. Sim, eu sei…Vinícius foi tão intenso que chegou a ser caricato em algumas circunstâncias. Contudo, os gênios são excêntricos e dão conta de sua inquietude das mais diferentes formas. Obviamente, há várias formas de lidar com o tédio, das mais destrutivas, às mais inteligentes.

Para os criativos, a zona de conforto das conquistas, rapidamente torna-se obsoleta, produzindo o tédio. Deste modo, o tédio pode mover o indivíduo à ação e portanto pode ser o prelúdio da criatividade.

Mas suponho, que de toda esta questão já entendia Drummond, ainda que nas entrelinhas, quando nos presenteou com o seguinte carinho na alma:

“Gostaria de desejar tantas coisas. Mas nada seria suficiente. Então, desejo apenas que você tenha muitos desejos. Desejos grandes. E que eles possam te mover a cada minuto, ao rumo da sua felicidade”.

Que em 2014:

– Seu sofá não pareça tão confortável que te desestimule de caminhar ao pôr do sol,

– Que sua relação com quem lhe é querido, não pareça tão estável, que não te leve à necessidade de surpreendê-los com carinhos fortuitos,

– Que seu cabelo não pareça tão perfeito que não te leve a fazer um corte radical,

– Que seu trabalho não pareça tão seguro que não te impulsione a ousar,

– Que o tédio te empurre para a ação e crie uma ânsia bendita pelo renovo permanente. Que a cada dia se renove de sede a sua vida!

Feliz Ano Novo!!!


[1] Réveillon  vem do francês réveiller, que significa “despertar”.

Fonte: http://www.administradores.com.br/artigos/cotidiano/um-2014-com-pitadas-de-tedio-para-voce/74886/

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